DICAS DE UM AMADOR QUE JÁ ERROU PARA VOCÊ NÃO ERRAR AO COMEÇAR A ESTUDAR PATRÍSTICA

Sou iniciante no estudo da Patrística e estou exposto aos Pais há apenas 7 anos; e sou amador – estudo por Amor, não por carreira -, mas creio que haja algumas experiências que consiga partilhar com os amigos iniciantes como eu, para que, juntos, progridamos no amor aos Pais e na fidelidade ao que eles desejavam.

Bora lá

1. Estude por amor aos primeiros cristãos e por admiração ao Espírito que habitava na alma deles – e que cremos, habita na nossa -, não exclusivamente para fins apologéticos.

Conhecer um Padre da Igreja é como um Namoro. As cartas, livros, escritos e tratados existem num contexto histórico, geográfico, político, social, eclesial; por isso não basta se apegar apenas ao que um Pai escreveu, devemos penetrar a vida dele. Isso leva tempo e requer dedicação e perseverança.

O estudo exclusivamente para a Apologética, muitas vezes, se debruça de modo muito superficial sobre os Pais. Isso não impede quem estuda de modo amplo de fazer Apologética também.

O erro que queremos evitar com isso é, pelo apego excessivo à letra, trair o pensamento do Pai da Igreja com suas próprias palavras. Muito mais do que nós eles tinham uma vida extremamente coerente com o que escreviam, então a vida [práxis] deles é uma das principais fontes de interpretação [chave hermenêutica] para seus escritos. Isso requer tempo e não se adquire numa leitura apressada e imediatista do Pai.

2. Tenha Método

Não importa tanto o método, mas é muito importante que tenhamos um. Podemos nos guiar por um manual de Patrística, um Livro Introdutório, pelas postagens de um Site, pelo índice da Patrística Grega; pode ser cronológico, por ordem alfabética, por Dogma estudado. Tanto faz.

Não é tão importante assim o método, porque se amamos os Pais, estudaremos sempre e utilizaremos mais de um método.

O erro que queremos evitar é estudar sem rumo, com um estudo sem pé nem cabeça, sem projeção nem horizonte. Esse erro leva muitos a desanimarem ou a estudarem apenas o que gostam (ao invés do que precisam).

3. Conheça os Limites do Método

É melhor ser limitado com método, do que ser ‘ilimitado’ e não sair do lugar; entretanto, ainda sim, devemos saber que todo Método é limitado.

Não é a mesma coisa ler a Obra Principal de um Pai e as Cartas que um Pai trocou com outro, por exemplo. Não é a mesma coisa ler comentários de um Pai sobre um trecho das Escrituras sem conhecer a Escola da qual participava e conhecendo a Escola na qual ele estava inserido. O mesmo se dá com tudo: rotina litúrgica, vida de oração, vida sacramental, etc…

Mesmo sobre os escritos: a Vida de Santa Macrina, de São Gregório de Nisa e a Vida de Santo Antão, de Santo Atanásio darão conhecimentos muito diferentes dos Pais se comparados com Tratados Apologéticos. O que leremos vai influenciar em como enxergamos e compreendemos os Padres e isso faz parte do método.

Ler ‘tudo o que Santo Agostinho escreveu’ não nos torna especialistas em Santo Agostinho. Nos torna especialista em ‘tudo o que ele escreveu’. O Pai é maior que os seus Escritos. A maior especialista em Santo Agostinho foi Santa Mônica.

Saber ‘tudo’ sobre um pai (ter domínio do seu pensamento com propriedade e seriedade) pressupõe muitos anos de estudos somente daquele Pai: incluindo aí sua vida, sua práxis litúrgica, sua formação prévia à conversão, suas relações, etc… um verdadeiro Relacionamento.

São muitos os erros que evitaremos se soubermos as limitações do nosso método. Sobretudo, não superestimaremos o nosso conhecimento. Um exemplo: um método que foque exclusivamente em ler as principais obras e somente passe por cima da vida do Pai será excelente para conhecer a sua Apologética, mas péssimo para saber como ele vivia a sua Fé no dia a dia, que orações fazia, etc…

4. Tome cuidado com o Autodidatismo

A terceira dica foi sobre os limites do Método, mas essa aqui é sobre os nossos próprios limites: ninguém é Doutor em tudo e há assuntos que exigem conhecimento aprofundado.

É possível passar a vida inteira estudando uma única obra da Patrística e não saber tudo o que ela tem para dizer. E isto não é exagero. Dada a profundidade de cada Pai, ninguém pode ser especialista em todos eles.

É um ‘autodidata’ que já errou muito que alerta… o Autodidatismo pode ser uma faca de dois gumes: desburocratiza o estudo, mas, ao mesmo tempo, não nos dá parâmetro se estamos caindo em alguma cilada lógica, não nos dá base comparativa para sabermos o quanto dominamos do Pai, etc.

O erro que queremos evitar é cair em situações que nos angustiem demasiadamente; também não queremos reinventar a roda que outros já inventaram; também não queremos cair no erro de nos apegar excessivamente a algo que é irrelevante na prática. O Autodidatismo sem método e sem cuidado traz esses riscos e inúmeros outros.

5. Evite debater online

Dois especialistas em Patrística dificilmente debatem online – eles já sabem que tudo é muito mais profundo e tem mais nuances do que os magros comentários do Facebook permitem -. No máximo, trocam algumas informações que, pelo conteúdo, costumam ensinar a todos.

Há dois mestres discutindo? Pegue a pipoca, leia e aprenda. Nenhum deles precisa do seu reforço positivo, porque normalmente não discutem por questão de ego, mas por interpretações diferentes da mesma realidade. Não que ambos estejam certos, mas se são honestos, trarão dados novos e úteis a todos.

Já dois amadores discutindo… Deus do céu, são uma lástima. Um show de horrores, de recortes descontextualizados, de achismos, de citações de fontes escusas, de traduções tendenciosas e de paixão que dá até pena. Sabemos que a Apologética exige isso às vezes, mas tenhamos prudência, justiça e temperança se em algum momento for impossível não debater.

O estudioso honesto dificilmente será um bom debatedor online: se for experiente porque sabe que debate online é tão eficiente quanto enxugar gelo, na maioria das vezes; se for novato, porque sabe que não tem certeza de muitas coisas (e o ‘adversário’ do debate normalmente tem muitas ‘certezas absolutas’). O estudioso concretiza seus estudos de outras formas: contribuindo com a Patrística, na medida do seu possível, melhorando sua vida de oração, sendo um catequista mais consciente, etc…

Os erros que queremos evitar são muitos mas, sobre todos, mentir e trair os Pais só para ganhar um debate. Isso seria um desserviço para os Pais, para a Patrística e para Cristo.

6. Não se esqueça que você tem uma Religião

O Católico dirá que Santo Agostinho é Católico; o Ortodoxo, que é Ortodoxo; o Anglicano e o Reformado que nele está o princípio da Reforma.

Ter uma Religião é ter uma espécie de chave hermenêutica complementar na leitura dos textos e da própria Vida dos Pais. Então entenda que nem sempre o outro vai enxergar o que você enxerga – por mais correto que seja! -, simplesmente porque lhe falta essa chave. Tenha Paciência e saiba lidar com a ‘limitação’ dos outros.

O erro que se quer evitar é dar murro em ponta de faca. A Patrística é um terreno extremamente Ecumênico e precisamos saber lidar com isso, sob o risco de não conseguir transformar nosso estudo em algo concreto, a não ser para fins Apologéticos e mais nada.

7. Saiba conviver com dúvidas

Se algum de nós quer estudar uma área que nos trará conforto ao coração, clareza e resultados apodíticos, aconselho Matemática. Porque Patrística é uma área cheia de emoções, nuances e incompletudes.

No meio dos estudos nós passaremos por questões sinceras, profundas e aparentemente insolúveis, e que ninguém tem a resposta que vai acalmar nossa alma. Fortaleza! Força! Isso faz parte. Suporte e entregue a Jesus. Precisamos saber conviver com elas. Há dúvidas dessa espécie que demoram anos para serem dissipadas. ANOS.

Os erros que queremos evitar são o desespero ou o abalo na Fé; ou a racionalização excessiva, ou o fundamentalismo. Os remédios são a Fortaleza e a Fé.

8. Algumas Dicas Práticas Finais

– Se possível participe de um ou mais grupos de estudo
– Se possível participe de ao menos um grupo ecumênico
– Se possível transforme seu conhecimento em conteúdo sintetizado. Não importa que tenham 1000 blogs ensinando a mesma coisa sobre a Vida de Santo Agostinho, nunca é demais criar mais um.
– Persevere sempre, principalmente nas leituras chatas e difíceis
– Não se sinta pequeno ao ponto de char que é irrelevante. Todos os que estudamos somos relevantes para a Patrística no Brasil, até eu.

Essas são algumas dicas que creio serem úteis. Adoraria a correção e complementação dos mais experientes.

“Examinai tudo: abraçai o que é bom.”
I Tessalonicenses V, 21

Paz e Bem